quarta-feira, 23 de novembro de 2011

De dentes de fora

A Gaiola Dourada

No dia em que desapareceu A. Tomic, ninguém estranhou a sua falta no café da esquina, que religiosamente visitava às quinze horas. Apenas o copeiro, o virtuoso Sr.K, alçou a mão para tirar uma imperial no momento exacto em que Tomic a costumava pedir, mas dando falta do freguês logo se entreteve com outras coisas.
Podemos dizer que na pacata cidade de J. a ausência prolongada e, por vezes definitiva, de um dos paisanos, é considerada normal, senão mesmo desejável aos olhos de quem manda lá no sítio. A este propósito, convém acrescentar o vigor e persistência com os líderes apregoam as vantagens do desaparecimento. Mas a verdade é que são raros os testemunhos do além que nos possam afiançar do que quer que seja. Os poucos que regressam limitam-se a pronunciar uma ou outra palavra sem nexo, e são ainda menos os que podem formar uma frase completa como: “ninguém nos vê, ninguém nos conhece”.
Precisamente pelo seu carácter dúbio, estas asserções não nos permitem pôr em causa a versão oficial. Pois se são tantos os que não voltam, é quase seguro que algo de muito especial existe para aquelas bandas.
Há quem prefira ficar, mas sublinhe-se, duas vezes, quem quiser partir é sempre livre de o fazer.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Nunca dobres a espinha

Há nojentos gestos actos

Há palavras que eu detesto

Rezar gemer flectir

ou então abrir a boca

(como um tanso, feito merda):

“ora sim, meu senhor”


Ora bolas é que é!

Ora bolas!  Ora chiça!  Ora poça!

Isso tudo mais o punho

bem na cara do safado


Cinco dedos cerradíssimos:

“ora toma, seu sacana”.
 
Arménio Vieira