sexta-feira, 20 de setembro de 2013

 A C. Bukowski


Não precisas dizer, Charles,
Bem sabemos que não vale a pena tentar,
Não precisas de contar histórias extraordinárias,
Seres sobre e sub-humanos,
As grandes façanhas, o holocausto,

O homem é monstruoso que chegue na sua dimensão,

Sabes, são duras,
Não as grandes dores, a morte dos pais, a morte de um filho,
Uma doença, mas as pequenas,
As de todos os dias,
O taxista e o empregado de mesa –
Seres de suprema perspicácia -  
Adivinham que és um zé
 Ou então um discurso - e todos aplaudem e gostam
E só tu ouves merda e queres gritar…

É duro, Hank,

A luz do frigorífico de todos os dias,
Os lamentos das donas de casa no metro,
As sopeiras na paragem de autocarro,
As adolescentes com bebés ao colo,
E escrevias um poema magnífico – como são os teus-
E saías à rua, não com a esperada bebedeira,
Mas lúcido como um alho – e o rapaz de fraque à porta -  
Vira a cara ao lado quando passas;

Esses olhares, Hank…

As pessoas não são parvas. Todos olham pela tua vida
Como se fossem Deuses-Todo-Poderosos;

A rapariga enfezada e desdenhosa , lembraste?
Percebe mais de fisionomias do que um frenologista.
Agora até as ameaças, não é, valentão?
Sabes bem porque é que elas não voltavam, não sabes?
Aquelas palavras meias ditas, aqueles gestos,
Bem sabes,...

Por isso desconfiavas, e com razão,

É um mistério, sabes…



segunda-feira, 9 de setembro de 2013



Éramos muitos,


Não sei quantos, mas muitos,


E Deus criou a palavra, e por ela nos votou à imperfeição,


Davam-nos papel higiénico para limpar a cavidade oral,


E Deus criou o corpo e as montanhas,
E em ambos colocou abismos insondáveis,


Éramos muitos e fortes, e eles poucos e fracos,


E para que conservássemos a vida
Deus criou o medo


Éramos muitos,
No entanto os nossos braços fortes pendiam
Como galhos despidos aos primeiros sopros do vento de Outono.


(…)
Não nos preocupemos, amigos, em colecionar as falhas dos ricos,
Eles são gente poupada – e paciente – certeza é que
Aguardam o momento certo para nos lançar a funda dos nossos pecados à cara.