domingo, 6 de outubro de 2013

Livros a ler. 2- The Fontainhead (1943), por Ayn Rand



Howard Roark é um talentoso estudante de arquitectura expulso da universidade no terceiro ano do curso, dadas as suas divergências estéticas com os professores.

As razões desta divergência são tudo menos ocultas. A escola segue a linha geral e universalmente aceite como boa –o classismo. Os desenhos e projectos encontram-se impregnados de pórticos, colunas coríntias, modelos do Erecteión... - as únicas construções, segundo modelos cientificamente provados, concebidas para agradar ao público e conferir dignidade às instituições que albergam.
Roark rejeita esta visão da sua profissão e acredita que, para além de todas as aparências e convenções, a concepção de uma casa deve-se assemelhar à de um corpo humano; cada minúsculo tendão ou osso tem uma função, assim numa casa tudo deve fazer sentido, como se o edifício fosse uma emanação natural do local onde é erigido: “Nothing is reasonable or beautiful unless its made by one central idea, and the idea sets every detail “. As linhas que Roark desenha seguem este instinto e nesta verdade encontram apoio na figura de H. Cameroon, um velho arquitecto caído em desgraça pelo ascendente do classicismo e seus sequazes.

Mesmo o leitor analfabeto em arquitectura (ou principalmente este) compreende que o Romance de Ayn Rand não é sobre arquitectura, mas sobre um estado de coisas mais vasto onde se jogam a integridade, as convicções, a vida. A negação da vida, o seu oposto, parece ser algo tão difuso como a existência de uma cidade, e tão concreto como o próximo homem a cruzar a rua. No seu leito da morte, Cameroon, contempla as fotos do novo atelier de Roark e  sussurra-lhe:
It doesn’t  say much. Only “Howard Roark, Architect”. But it’ s like those mottoes men carves over the entrance of a castle and died for. Its a challeging in the face of something so vast and so dark, that all the pain  on earth - and do you know how much suffering  there is on earth? – all the pain comes from that thing you are going to face – all the pain comes from that thing you are going to face, I dont know what it is, I dont know why it should be unleashed against you. I know only that it will be. And I know that if you carry thoso words through the end, it will be a vicotory, Howard, not just for you, but for something that should win, that moves the world – and never wins acknowlegement”

A realidade que Roark viria a enfrentar não se afastou daquilo que Cameroon previra. Foram-lhe franqueadas as portas em todos os ateliers da cidade, conseguindo apenas trabalhar de forma esporádica em projectos tão excêntricos como a personalidade de Roark sugere.

The Fontainhead surge-nos como uma apologia do indivíduo e da capacidade que este tem para romper as contingências que a realidade lhe impõe. E tudo correria bem, se Rand se detivesse por aqui. Mas quando, de forma maniqueísta, vê em todos os ímpetos colectivistas (ou algo que cheire a isso), um Leviatã maldoso que apenas existe para impedir os espíritos nobres, íntegros e produtivos de se concretizar, Rand parece trair o sentido que a sua obra, a determinada altura, parece tomar. Se a vontade e o espírito não devem repousar em nenhum sistema, político ou estético, que não tenha como princípio a verdade ou que não seja uma autolegitimação, porque não poderia passar a ser sistema aquilo a que o seu romance tão devotamente aspira; as construções desornamentadas e despidas de todo o rococó, o plástico cujas múltiplas potencialidades Roark adivinha; podem ser a emanação de uma ideia central ou tão só uma forma barata e descartável de construir. A mediocridade que se assume como tal, sem qualquer ornamento. A projecção do individuo para além do bem e do mal (um laivo nietzschiano repudiado pela autora mas que tresanda ao longo de toda a sua obra) não se quer levada à loucura (e não consta que tal tenha acontecido sem um rol ignominioso de crimes), mas apenas enquanto capacidade humana de determinar as determinantes. De nada vale a rejeição do fascismo e do comunismo que a autora acusa como sendo formas perversas de religião para admitir como único sistema onde o individuo se pode realizar… o Capitalismo laissez faire; e apenas porque o homem ideal necessita de interagir com outros homens.  Rand arrasta o seu Roark (também ele asséptico e profissionalíssimo) para uma forma mais perversa de religião, onde nenhuma redenção é possível. Quando julgamos que estamos perante uma forma superior de estar fora do tempo e do espaço, toda a obra nos surge atraída para um único centro gravitacional: a profissão, a competência profissional. O homem que cumpre a sua forma de estar no mundo é o profissional - “the man who loves his job”, e a incompetência o único pecado que merece ser punido com as chamas do inferno. Como alguém já disse, isto não é um humanismo, mas uma forma vulgar de protestantismo ou uma certa forma americana de ser religioso.