Howard Roark é um talentoso estudante de arquitectura
expulso da universidade no terceiro ano do curso, dadas as suas divergências
estéticas com os professores.
As razões desta divergência são tudo menos ocultas. A escola
segue a linha geral e universalmente aceite como boa –o classismo. Os desenhos
e projectos encontram-se impregnados de pórticos, colunas coríntias, modelos do
Erecteión... - as únicas construções, segundo modelos cientificamente provados,
concebidas para agradar ao público e conferir dignidade às instituições que
albergam.
Roark rejeita esta visão da sua profissão e acredita que,
para além de todas as aparências e convenções, a concepção de uma casa deve-se
assemelhar à de um corpo humano; cada minúsculo tendão ou osso tem uma função, assim
numa casa tudo deve fazer sentido, como se o edifício fosse uma emanação natural
do local onde é erigido: “Nothing is reasonable
or beautiful unless its made by one central idea, and the idea sets every
detail “. As linhas que Roark desenha seguem este instinto e nesta verdade
encontram apoio na figura de H. Cameroon, um velho arquitecto caído em desgraça
pelo ascendente do classicismo e seus sequazes.
Mesmo o leitor analfabeto em arquitectura (ou principalmente
este) compreende que o Romance de Ayn Rand não é sobre arquitectura, mas sobre um
estado de coisas mais vasto onde se jogam a integridade, as convicções, a vida.
A negação da vida, o seu oposto, parece ser algo tão difuso como a existência
de uma cidade, e tão concreto como o próximo homem a cruzar a rua. No seu leito
da morte, Cameroon, contempla as fotos do novo atelier de Roark e sussurra-lhe:
“It doesn’t say much. Only “Howard Roark, Architect”. But
it’ s like those mottoes men carves over the entrance of a castle and died for.
Its a challeging in the face of something so vast and so dark, that all the
pain on earth - and do you know how much
suffering there is on earth? – all the
pain comes from that thing you are going to face – all the pain comes from that
thing you are going to face, I dont know what it is, I dont know why it should
be unleashed against you. I know only that it will be. And I know that if you
carry thoso words through the end, it will be a vicotory, Howard, not just for
you, but for something that should win, that moves the world – and never wins
acknowlegement”
A realidade que Roark viria a enfrentar não se afastou daquilo
que Cameroon previra. Foram-lhe franqueadas as portas em todos os ateliers da
cidade, conseguindo apenas trabalhar de forma esporádica em projectos tão
excêntricos como a personalidade de Roark sugere.
The Fontainhead surge-nos
como uma apologia do indivíduo e da capacidade que este tem para romper as
contingências que a realidade lhe impõe. E tudo correria bem, se Rand se detivesse
por aqui. Mas quando, de forma maniqueísta, vê em todos os ímpetos colectivistas
(ou algo que cheire a isso), um Leviatã maldoso que apenas existe para impedir os
espíritos nobres, íntegros e produtivos de se concretizar, Rand parece trair o
sentido que a sua obra, a determinada altura, parece tomar. Se a vontade e o
espírito não devem repousar em nenhum sistema, político ou estético, que não
tenha como princípio a verdade ou que não seja uma autolegitimação, porque não
poderia passar a ser sistema aquilo a que o seu romance tão devotamente aspira;
as construções desornamentadas e despidas de todo o rococó, o plástico cujas
múltiplas potencialidades Roark adivinha; podem ser a emanação de uma ideia
central ou tão só uma forma barata e descartável de construir. A mediocridade que
se assume como tal, sem qualquer ornamento. A projecção do individuo para além
do bem e do mal (um laivo nietzschiano repudiado pela autora mas que tresanda
ao longo de toda a sua obra) não se quer levada à loucura (e não consta que tal
tenha acontecido sem um rol ignominioso de crimes), mas apenas enquanto
capacidade humana de determinar as determinantes. De nada vale a rejeição do
fascismo e do comunismo que a autora acusa como sendo formas perversas de
religião para admitir como único sistema onde o individuo se pode realizar… o
Capitalismo laissez faire; e apenas
porque o homem ideal necessita de interagir com outros homens. Rand arrasta o seu Roark (também ele
asséptico e profissionalíssimo) para uma forma mais perversa de religião, onde
nenhuma redenção é possível. Quando julgamos que estamos perante uma forma superior
de estar fora do tempo e do espaço, toda a obra nos surge atraída para um único
centro gravitacional: a profissão, a competência profissional. O homem que
cumpre a sua forma de estar no mundo é o profissional - “the man who loves his job”, e a incompetência o único pecado que
merece ser punido com as chamas do inferno. Como alguém já disse, isto não é um
humanismo, mas uma forma vulgar de protestantismo ou uma certa forma americana
de ser religioso.